terça-feira, 3 de agosto de 2010

A ESTABILIDADE FINANCEIRA E A MODERNIZAÇÃO DO SISTEMA FINANCEIRO NO BRASIL


1. Introdução

Embora com um certo atraso, a Reforma Financeira nos EUA, sancionada neste final de julho/2010 por Barack Obama, acompanha o que já havia sido feito pelos ingleses, que haviam criado uma FSA em 1997 – Financial Stability Authority para responder pelo mandato da Estabilidade Financeira, lado a lado com o tradicional mandato da estabilidade de preços a cargo do Banco da Inglaterra.
O arranjo institucional desenhado nos EUA cria um conselho de reguladores inédito, presidido pelo secretário do Tesouro, com a incumbência explícita de cuidar da gestão da Estabilidade Financeira, eliminando a conhecida arbitragem regulatória tão comum nos EUA, no passado recente.
Politicamente, o deslocamento do comando da regulação financeira, tradicionalmente empunhado pelo FED, para o Tesouro é fato altamente representativo. As votações conseguidas por Obama e os democratas no congresso norte-americano, mesmo com o desgaste natural de seu segundo ano de governo, conseguiu derrubar com certa facilidade os aparentemente incontornáveis obstáculos postos por Wall Street e comandados de dentro do partido republicano.
Ao novo Conselho de Regulação dos EUA, que passa a ter dez assentos univocamente definidos, caberá o detalhamento operacional da regulação e inclui órgãos como o FED, SEC. CFTC, FDIC, o Bureau de Previdência e Seguros, etc.
O assento ocupado pelo FED passa a ser atribuição do seu novo vice-presidente de Regulação Financeira, cuja nomeação é exclusiva do presidente da república.
Os rebatimentos das novas obrigações do FED com a Estabilidade Financeira não são pequenos. É inegável que, tanto sua estrutura como instrumentos ainda são mais adequados para o objetivo Estabilidade de Preços (inflação) do que para o objetivo da Estabilidade Financeira.
Suas renovadas responsabilidades incluem: controlar os bancos “Too big to fail”, conter a formação de bolhas de ativos, autorizar e liquidar instituições financeiras de todos os tamanhos, administrar as exigências quanto à solvência e à liquidez do sistema bancário, em sintonia com as recomendações internacionais que virão de Basiléia 3, etc, são agora mandatárias.

2. No Brasil, uma reflexão sobre a história recente

A estabilidade de preços conquistada desde 1994, veio reforçar o forte conservadorismo e a aversão a risco existente na área bancária.
É bom lembrar que a forte e natural monetização já esperada com o retorno da inflação a patamares do mundo civilizado (um dígito anual), justificou especial cuidado das autoridades monetárias com o sistema bancário, habituado que este estava ao conforto de conviver com as receitas e transferências inflacionárias sobre depósitos.
A atenção dispensada a esse ambiente de risco ajuda a entender a presença das altas taxas reais de juros nos períodos que se seguiram à mudança da moeda para o Real em 30/06/94.
A baixa relação entre o Crédito e o Produto Interno Bruto, é quase a contrapartida natural da presença de uma taxa primária praticada pelo Banco Central do Brasil superior em média a um dígito anual nos últimos 15 anos.
Isto representou para o sistema bancário uma proteção incomum, pois lhe deu o conforto de passar um longo período podendo aplicar em títulos públicos bem remunerados, tendo que se expor pouco ao risco de conceder crédito bancário, ou seja, bancarizando pouco.

3. A Reforma Financeira no Brasil é necessária?

Não é razoável pensar que taxas tão altas de juros, que cumpriram o papel de proteger o sistema bancário ao longo dos anos, possam ser consideradas como base de uma estratégia de longo prazo para funcionamento do sistema financeiro no Brasil.
Em vez disso, é bem mais razoável assumir a Estabilidade Financeira como objetivo prioritário na nova configuração institucional do Sistema Financeiro Nacional, em vez de conformar-se com o absurdo de manter o país como o praticante das maiores taxas de juros do planeta indefinidamente.
A proposta de reformulação do Sistema Financeiro Nacional, substitutivo ao PLS 102/07 da CCJ, comete pelo menos um erro crucial, qual seja, o de supor que a Supervisão e Fiscalização das instituições financeiras a cargo do Banco Central seja capaz de cobrir a maior parte dos requisitos associados ao objetivo da Estabilidade Financeira.
O núcleo central da proposta, que gravita em torno da idéia de converter o Conselho Monetário Nacional em um Sistema Financeiro Nacional, reproduz todas as atribuições já existentes do CMN e as costumeiras delegações operacionais feitas ao Banco Central e a outros órgãos oficiais.
Sem cogitar de retirar o Ministro da Fazenda de sua presidência, a proposta mantêm ainda em sua composição o presidente do Banco Central e o Ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão. No que se refere ao Banco Central do Brasil nada de novo é proposto sobre a nomeação dos diretores, duração dos mandatos ou ao seu revezamento.
Não devemos esquecer que a adequação da proposta é limitada e pouco informada sobre os pontos fracos que a recente crise financeira nos indicou. Sua robustez é claramente assimétrica diante dos objetivos a enfrentar pelo arcabouço institucional financeiro do país.
Os resultados obtidos no Brasil mostram que o conjunto de regras existentes é robusto diante do mandato de estabilidade da meta inflacionária, mas é notório também o seu despreparo e sua falta de instrumentos para enfrentar questões características da Estabilidade financeira como, por exemplo:
- Concorrência bancária e alto nível de spreads;
- Instituições financeiras grandes demais para quebrar;
- Grau de securitização dos produtos financeiros;
- Adequação da poupança nacional;
- Política cambial competitiva, etc.

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